30 de abril de 2020

Ponteiros quebrados

    Não é novidade que, assim como a necessidade de criar deuses, nós também sentimos que precisamos criar um marcador de tempo, algo que pudéssemos nos amparar, definir de alguma forma o que seria passado, presente e futuro. E cada cultura humana tratou de resolver essas questões, de crença e de tempo, à sua maneira.

    Nessa necessidade de marcar o tempo, era normal usar fenômenos naturais para se orientar. Períodos de chuvas, tempo de colheita, o sol esturricante, dentre outros. Mas isso muda radicalmente no momento que uma nova lógica surge, em que nascemos nela e sob ela desde então: o tempo do relógio. Horas, minutos, segundos, dias, anos e décadas, que se sucedem sem descanso, como uma linha de montagem, como a obrigação de juntar dinheiro antes que os prazos dos boletos vençam.

    Até que surge o coronavírus, impondo a todos nós o tempo ao qual já não dávamos mais importância. O tempo dos fenômenos naturais, o tempo biológico que agora se opõe ao tempo artificial do relógio, ao tempo da produtividade insana.

    E assim, muitos de nós se vêem divididos entre estes dois tempos; do tempo biológico, da preservação da vida daqueles que são importantes para nós e do tempo artificial do trabalho, ou da falta de trabalho, que nos força ao risco de vida pelo sustento cada vez mais difícil.

    Neste conflito entre dois tempos, nos surge a oportunidade de criar uma alternativa à crença febril do mundo do trabalho. Um novo lugar onde laços comunitários se estreitam e novas práticas do dia a dia ajudam na construção de opções viáveis e concretas de participação política, educação e independência alimentar.

    Que este 1 de Maio seja só mais um passo na longa caminhada daqueles que crêem num novo tempo em uma nova sociedade.